
Um erro crasso do marketing é sempre
tentar rotular um novo sucesso com a necessidade de tomar o trono do anterior,
ou ainda, comparar ao maior nome ligado ao determinado assunto. Cansamos de presenciar
o surgimento do “novo Betthoven”, “novo Hitchcock” e o mais absurdo de todos “o
novo Neymar” – o garoto tem apenas vinte e três anos, ele nem “acabou” ainda.
Quando Sam Bourne, que é o pseudônimo do jornalista Jonathan
Freedland (48), escreveu e lançou o livro O Código dos Justos em 2006, seu novo romance
foi prontamente comparado com o Código Da
Vinci e Bourne apontado como o “novo Dam Brown” – os dois tem quase a mesma
idade, parem com isso. O que pode ser discutido é a influência que Brown teve
sobre Bourne, que se torna evidente pelo estilo de escrita que ele apresenta em
seu romance. Mas por causa desse apelo da mídia para tentar promover o livro de
Bourne, ela acaba criando uma concorrência desnecessária. Quem já leu “Da
Vinci” e vai começar a ler “os Justos” acaba prestando atenção nos detalhes que
possam ligar os dois autores e procurar as semelhanças de um e outro para
formular a sua própria crítica em cima disso.
A história começa com Will Monroe, um
jornalista recém-chegado ao New York
Times cobrindo seu primeiro caso de homicídio em Manhattan. Um homem é
brutalmente esfaqueado. Seria só mais um caso comum, uma rixa entre bandidos ou
acerto de contas, mas um detalhe saltava aos olhos: a vítima foi anestesiada
antes de morrer e cuidadosamente coberta no local do crime. Durante as investigações
Will descobre duas coisas que não fazem o menor sentido numa mesma frase: o
homem era um cafetão e tido como homem bom. O contraditório caso deixou uma
pulga do tamanho de um alce atrás da orelha do jornalista e claro que nosso
protagonista, como se faz necessário dentre o universo dos romances de suspenses
investigativos da “Cartilha Dashiell Hammett” de qualidade, é completamente curioso
e não deixa os detalhes passar em vão.
Sua investigação sobre o caso lhe rende
a primeira página do Times, e por
causa do seu repentino sucesso, sem muito tempo para digerir toda essa ideia,
Will precisa ir para Montana investigar mais um cruel homicídio. Quando chega
até seu destino descobre mais uma vez que a vítima também havia feito um ato de
extrema bondade antes de morrer violentamente. Ainda antes que descobrisse qual
a ligação entre esses dois casos recebe uma mensagem de texto anônima em seu
celular que muda sua rotina a partir dali transformando sua vida no maior
inferno... "Estamos com sua mulher. Não chame a polícia, ou se
arrependerá. Para sempre".
Ao retornar para Nova York descontroladamente, Will recorre
a um velho amigo expert em computação chamado Tom, que o auxilia na busca por
sua amada esposa Beth. Juntos eles descobrem que a mensagem partiu do Brooklyn,
mais especificadamente de uma parte judaica ortodoxa. Quando se dá conta, Will
está se envolvendo com gente da mais alta cúpula da comunidade hasídica de Nova
York. Toda a história é recheada de dramaticidade envolvendo lendas e
singularidades da congregação judaica. A trama se desenrola sobre uma lenda que
aponta 36 pessoas justas que dão o equilíbrio necessário para o mundo existir
em harmonia.
“Segundo a lenda Hasídica, em todas as
gerações há 36 homens justos aos olhos de Deus, servem ao bem da humanidade,
são desconhecidos, são homens comuns, pecadores que não procuram realizações
pessoais, e não sabem que são a salvação da humanidade perante a ira de Deus.
Eles são a justificativa para que Deus não destrua a todos nós.
Se um dos justos perecer, e Deus não
for capaz de encontrar alguém humilde, sincero, e de coração puro para
substitui-lo, então.... O mundo acabará imediatamente! ”
Na procura por pistas que possam leva-lo ao paradeiro de sua
donzela, nosso herói descobre muitos inimigos, mas também alguns aliados. Ele
recebe mensagens de algum estranho, totalmente decodificadas, que parecem
querer ajuda-lo a chegar até sua esposa. Nesse momento somos apresentados ao
melhor personagem de todo o livro, sua ex-namorada e mestre em misticismo
judaico, TC. Ela se torna mais relevante para o desenrolar da trama que o
próprio Will, que aliás é muito sem sal. Assim como Indiana Jones em Caçadores da Arca Perdida que se
existisse ou não, os nazistas teriam encontrado a Arca, levado para a ilha e todos
morreriam ao abri-la, exatamente como aconteceu, Will é quase irrelevante para
a história. Temos no livro um protagonista que não passa muito carisma, não me
parece inteligente e sempre precisa da ajuda de terceiros, muito diferente do
respeitado Robert Langdon – e dá-lhe comparação. TC então se encarrega de ser o
cérebro das operações. Ela desvenda a maioria dos mistérios e ainda se revela
uma personagem carismática e com muita carga dramática. Se fosse um filme da
Fox, certamente TC ganharia seu filme solo.
A obra acerta em cheio por explorar a sociedade judaica. O
suspense está presente e fixa a atenção. A leitura informal em primeira pessoa
é gostosa e se desenrola com facilidade. O leitor se sente preso, no bom
sentido, à leitura. Bourne peca apenas por querer estender demais a trama. As
476 páginas, mesmo que aconteça algo de relevante na maioria delas, se torna um
pouco cansativa. Poderia ser um pouco mais direta e objetiva. Outro ponto que
não combinou é o título “abrasileirado”. Em inglês o livro se chama “The
Righteous Men” que ficaria “Os Homens Justos”, mas voltando àquela história do
começo deste texto, colocamos esse pequeno feito na conta dos publicitários que
mais uma vez tentaram colocar nos estandes um nome de impacto, nada criativo,
para a disputa com Dan Brown.
Explorar o misticismo judaico, as lendas do Talmude e os
ensinamentos da Cabala refletem em um livro extremamente intrigante, sarcástico, cheio de referências e figuras de linguagem a
obra de Bourne possui um humor pontual. Os personagens contidos nesse livro são mais humanizados tornando
o livro mais crível em alguns aspectos, embora obrigue o leitor a
acreditar em coincidências num nível acima das probabilidades estatísticas,
absurdas até mesmo para Lewis Carroll e seu Alice
No País das Maravilhas. O
resultado da leitura de “O Código dos
Justos” também conhecido como “O
Código Da Vinci Judeu”, é positivo. Embora muito criticado, alguns
elementos foram de bom grado. A maneira como ele relata os assassinatos de
alguns dos justos, como o pastor que é
executado no Rio de Janeiro, o homem de negócios bem-sucedido que aparece morto
na Tailândia e o adolescente indiano que é estrangulado em Mumbai, criam uma
fissura entre o enredo principal e os acontecimentos a milhares de quilômetros
dali, trazendo a público a memória desses personagens tão importantes para a
história da humanidade. Um desafio para o leitor decifrar todos os
códigos e enigmas contidos neste thriller. Impossível descobrir o que realmente
acontece, ou quem está por trás de todo o enigma. Quando você pensa que está
prestes a fazer uma revelação, um novo quebra-cabeças é apresentado. O final
é surpreendente, quando você espera que a história acabe com um clichê
costumeiro, ela tem um desfecho tocante.