Sexta-feira à noite, estou em casa sozinho, minha namorada está à
17km de distância e não existe a menor possibilidade de encontrá-la
essa noite. A Netflix não conecta, pois, o último pagamento não
foi debitado e não tiveram dó, cortaram mais rápido que o Giba na
final Olímpica de Vôlei em 2004. As alternativas são o vídeo game
e os filmes baixados no notebook. Mas já fiz isso o dia todo, que
minha bunda já tomou o formato do sofá e não aguenta mais
permanecer ali, até mesmo ficar em casa não é tão agradável
quanto estou acostumado que seja. A morte lenta e dolorosa viria com
alguns episódios de The Big Bang Theory, para dar uma risadinha e
deixar o cérebro em ‘modo avião’ até que pegasse no sono.
Eis que uma mensagem no celular aparece, daquelas que promoters usam
no WhatsApp, aparentemente sem pretensão, mas que mudaria o destino,
e os padrões daquele dia.
“VOCÊ É VIP HOJE, mande os nomes: Sertanejinho. Sucesso nas
SEXTAS do Rancho Figueiras, a partir das 21h. Com a dupla Victor &
Dodô. Envie sua LISTA VIP para Rafael Exaltados. ”
Algumas hashtags “enfeitavam” o convite, mas me recuso a
compartilhar com o leitor tal fato. O que acabara de acontecer era
que Rafael Cruz, amigo da época de escritório, me convidava para
uma balada sertaneja. Sim o cara que tem asco só de pensar nos nomes
combinando dessas duplas sertanejas, foi convidado para uma balada do
gênero. “Hoje vamos na faixa, o Gordo (Rafael Máximo) arranjou os
Vips já que ‘trampa’ lá, só precisamos chegar até 23h30 para
entrar” falava na sua tentativa de me fazer aceitar o convite.
“Vamos, ‘se pá’ ele arranja bebida também” insistia. E
encurralado por mais mensagens com pedidos, não vejo outra
alternativa que não seja aceitar após ele dizer “você não tinha
que fazer matéria sobre algo que não curtia? Então não tem porque
dizer não” insinuava, ironicamente. Obrigado Nádia.
Por volta das 23h saio de casa em direção à rua mais badalada de
Santo André, a nossa Augusta do ABC. Tomada por barzinhos, baladas,
botecos, carros com capô levantado e som no talo, homens e mulheres
recém-saídos de academias exibem-se na rua mais movimentada da
madrugada para uma noite de diversão regrada a bebidas e música
ruim. Essa é a rua das Figueiras.
O Rancho das Figueiras é pequeno, não cabem mais que 500 pessoas
sem que local não pareça a estação da Sé às 7h da manhã. O
público é jovem, formado por sua maioria de homens. Por ter chegado
cedo, aparentemente a sobriedade ainda tomava conta do local, o que
fazia a pista de dança um cemitério de passos coreografados, onde
nada acontecia. O palco ainda estava no processo de montagem dos
instrumentos e nas TV’s que deveriam passar os clipes das músicas
que tocavam, passava o Globo Repórter.
Como fui o primeiro a chegar fiquei encostado numa pilastra trocando
mensagens no celular enquanto observava o comportamento daquele
pessoal. Percebia que homens e mulheres ainda estavam distantes uns
dos outros, já que ainda não havia álcool suficiente em seus
corpos para que a ‘ousadia e alegria’ contaminassem suas ações.
Parecia claro, entretanto, o que a maioria deles procuravam.
Certamente pelos olhares lançados a cada mulher que passasse ao
lado, era fácil identificar seus motivos de ali estar.
Meu amigo chegou, trazendo outros amigos seus, vindos da faculdade.
“Esse são Renato, Daniele, Vitória e Rafaela. Vamos continuar a
despedida do Renato, que vai para a Austrália” disse animado,
possivelmente por causa de algumas doses que já havia bebido. E no
mesmo momento surge o “anfitrião” de nossa festa, Rafael Máximo,
que era promoter do lugar, arranjou nossas entradas, conseguiu uma
mesa, com baldes de vodca, energético e cerveja a vontade. Não sou
de beber, mas não existe nada mais irritante do que ficar sóbrio em
um lugar onde todos ao seu redor estão bêbados. Então não tive
muita escolha.
É interessante como já ouvi falar muito sobre como o gosto musical
influencia no modo de vida. Ouvi uma vez a Luiza Possi (quem?!) dizer
que “respeitava demais os roqueiros, pois não apenas gostam do
rock, mas encontram na música um estilo de vida”. Concordo em
partes, principalmente se lembrar que não são apenas roqueiros que
levam um estilo de vida voltado ao que ouvem. Ou você olha para os
vendedores de brincos e pulseiras artesanais nas ruas, com ‘dreads’
no cabelo, camisa da Jamaica e diz “esse aí ouve um Só Pra
Contrariar”.
Coisa que não consigo identificar para quem ouve essas músicas
populares e quem se diz “eclético” que escutam de Janis Joplin à
Jorge & Matheus. “Não acho que é um estilo de vida baseado
nos gostos musicais. O sertanejo já não é mais música de violão,
chapéu e fivela. Hoje é algo mais pop. Hoje é música para curtir
e dançar” disse Daniele sobre o assunto.
Renato lembrou “mas sair para dançar e curtir não é modo de vida
também? Eu acho que é sim. Dá uma identidade diferente para quem
gosta. Acho que é mais por quê quem ouve uma coisa só, fica
caracterizado. Quem ouve mais coisa, parece mais ‘normal’, mas
ainda assim, é um estilo”. É bem verdade. Não dá para
descaracterizar. Dá para nivelar em escalas diferentes, talvez. Mas
todos ainda são conduzidos pelas músicas.
A noite continuava a desenrolar mais histórias e mais risadas, mas
agora com o show tendo início. Victor & Dodô são uma dupla
cover, que cantam sucessos de outras duplas. O público se anima, a
pista de dança toma forma, os pares vão se alterando entre uma
melodia e outra. Minhas companhias estavam mais preocupadas em
dançar, mas paravam para responder algumas perguntas que o “amigo
chato do Rafael”, como certamente serei lembrado, fazia em horas
inoportunas.
“Dançar, é tudo o que eu procuro hoje. O som é perfeito para
isso. Não tenho nenhuma intenção de pegar ninguém, não hoje. Mas
se aparecer também e for uma boa, por que não? ”, conta Vitória,
já meio alterada. “Já me aconteceu de tudo em balada. Mas hoje eu
trabalho em uma, primeiro por que estou solteiro, segundo por que tem
balada todo final de semana e terceiro por que gente bonita e amigos
para dançar, beber e comemorar, é a melhor coisa do mundo”,
aponta Rafael Máximo, já trazendo a terceira garrafa de vodca para
a mesa.
Tenho completa aversão à música sertaneja. Não consigo gostar das
letras rasas, melodias pobres e “refrãos chiclete”
monossilábicos. Mas ver aquele pessoal dançando, bebendo, se
beijando, curtindo e se divertindo como se não houvesse problemas na
vida, foi interessante ao menos para entender, sob suas perspectivas,
como é a noite dentro de uma balada sertaneja. Não posso negar que
ficar bêbado me ajudou muito a não ter ido embora na primeira meia
hora. A noite foi divertida e Rafael, o Cruz, jura que puxei uma das
meninas para dançar enquanto tocavam Falamansa. Eu nego enquanto
estiver vivo, por mais que a cena tenha sido engraçada.