sexta-feira, 10 de junho de 2016

Uma avenida, três cãezinhos e uma mesma história

A Avenida do Estado é uma das maiores vias do estado de São Paulo. Seguindo o rio que a acompanha, corta quatro cidades, nascendo em São Matheus, atravessando Santo André e São Caetano, até desaguar em São Paulo. Na via que registra movimento de mais de 1 milhão de carros por dia, mora Fernando Nogueira (48) sua esposa, Sandra Sakihara (49) e suas duas filhas, Suellen (26) e Bianca (21). Ele é frentista em um posto de gasolina à frente de sua casa, e está acostumado com o barulho e o tráfego de carros dia após dia.

Ele tem uma história incomum com a tal avenida. Não bastando apenas morar e trabalhar nela, recebeu três ‘presentes’ da mesma. Foram três vezes que sua indignação com a brutalidade do “bicho homem” lhe trouxe três fontes de carinho. Foram três vezes que criaturas sofridas, sem esperanças e fadadas a morrerem de fome perambulando as ruas da cidade, viraram membros da família Nogueira.

Em 2009 numa noite de bastante chuva, Fernando trabalhava quando percebeu um carro parado na avenida. As janelas se abriram e um saco preto foi lançado em direção ao rio. Assim que o objeto atinge o chão, o carro acelera e abandona o local. Fernando corre para averiguar o que era. O saco se mexia e ao abri-lo, se deparou com uma cachorrinha. Velhinha e muito debilitada, com sinais de maus tratos, ele a tirou do chão e levou para casa.

“Minha preocupação era de que ela estivesse muito machucada, como já era tarde, tentei deixá-la confortável em casa para no dia seguinte levá-la na veterinária aqui do bairro” conta Fernando. De manhã conseguiu levar a cachorrinha, e após os exames, a médica disse que ela ficaria bem. Ela tinha uma idade bem avançada e estava bem debilitada. A veterinária disse que não poderia ficar com ela, e o abrigo para cães do bairro também já estava lotado. Quando o próprio não sabia se poderia fazer muito pela cachorrinha, ele lembra exatamente das palavras da doutora “ela me disse que a cachorrinha havia sofrido bastante, e que ela não ia ter muito tempo de vida. Mas o pouco que tivesse com a gente, poderia valer mais do que ela já tinha vivido até ali. Essas palavras mexeram comigo (…) Eu não poderia abandonar a cachorrinha, então conversei com a minha família, que prontamente aceitou ficar com ela” lembra Fernando. Ele e sua família decidiram cuidar da cachorrinha, que agora se chamaria Nana.

Como um dejavu, o destino tratou de trabalhar mais duas vezes em continuações da mesma história. Uma delas com requintes de crueldade. Aconteceu no começo de 2012 mas dessa vez o carro estava em alta velocidade e atirou um cachorro pra fora. Ao cair, o animal levantou-se e correu atrás do carro dos donos. Fernando estava prestes a sair do trabalho, e ao ver a cena, correu para pegar sua bicicleta e seguir o animal, que quase havia sido atropelado pelos outros carros da pista. Perdido e desnorteado ele se escondeu no canteiro central. Assustado, foi difícil levá-lo para casa.

Levou o cachorro para a mesma veterinária na manhã seguinte. Foi constatado que uma das patas estava quebrada. Em casa o acordo com sua mulher foi de ficar com o bichinho até que aparecesse alguém que pudesse adotá-lo, já que era muito grande para ficar em casa. Porém, mesmo grande, tratava-se apenas de um filhote. O nome do cachorro seria Dobby, em referência ao personagem da série de filmes ‘Harry Potter’, por conta de suas orelhas grandes. Quanto mais tempo passava naquela casa, mais tempo Fernando ia se apegando ao filhote. “a Nana era bem velhinha, quando levava ela para passear na rua, tinha que ser tudo a passos lentos. Já o Dobby que é filhote, era bem alegre, esperto e travesso. Gosta bastante de correr. Ele fez muito bem para mim, para mudar um pouco o astral da casa. Me lembra muito a história do filme ‘Marley e Eu’. O Dobby é igualzinho o Marley, até luva já comeu” conta Fernando com muito entusiasmo. Dobby foi ficando e se tornando membro da família. O apego de Fernando ao cachorro foi tão grande que sua esposa, Sandra, consentiu em deixar que o animal agora fosse mais um membro da família.

E não muito tempo depois, cerca de 4 meses após a chegada de Dobby, outra vez a história se repetia. Impressiona por ter sido exatamente como das vezes anteriores. Trabalhando, carro parado na avenida, cãozinho atirado pela janela no canteiro próximo ao rio.

Fernando se deparou com um cãozinho de pelos longos, irritado, bastante raivoso e desconfiado. Pegar o animal foi mais difícil dessa vez, tanto que acabou com uma mordida no dedo quando tentou colocar-lhe uma coleira. “Esse cachorrinho era bem bravo. Quando o levei na veterinária, ela me prescreveu uma vacina antirrábica na hora, como cautela pra qualquer problema” recorda. O cãozinho estava com uma pata machucada e com muita dor na região da bexiga e barriga, supostamente por ter sido chutado muitas vezes.

Dessa vez a família não poderia ficar com o cachorro. Nana e Dobby ocupavam muito espaço e tempo na casa da família. Ainda mais um cachorrinho que parecia tão nervoso e difícil de lidar. Mas como ele estava doente e bem debilitado, o jeito foi ficar com o animal até que aparecesse alguém que quisesse levá-lo. Nos primeiros dias chegou a ficar no pequeno quintal que a casa dispõe, mas logo ficou em casa, assim como a Nana. Bianca, uma das filhas, diz “Engraçado que ele era bem desconfiado, nem podia levantar a mão perto dele que ele já achava que iriamos bater. Deve ter apanhado muito. Mas com o passar do tempo, parece que a própria Nana o ajudou a se adaptar”.

O tempo passou e a família, principalmente as duas filhas, criaram um laço maior com o pequeno cachorro, a quem havia colocado o nome de Pompom. A desconfiança do animalzinho não era mais uma coisa constante. Dessa vez seria muito difícil permanecer com ele, ficando com três cachorros em casa. Mas a família não encontrava ninguém que quisesse um cão que não fosse filhote. Suellen lembra de ter dito ao paiPai o Dobby é o seu cachorro, a Nana é da mãe, o Pompom agora é nosso”. “Pra mim foi difícil dizer não a esses argumentos” brinca Fernando. Assim como os outros dois cãezinhos, Pompom então se tornou mais um membro da família.

Eu acho que as pessoas são muito ruins com animais. Aqui na nossa família, todos nós somos contra qualquer tipo de maus tratos com qualquer bicho. E se você olhar para esses cachorros, não vai conseguir entender os motivos que levam alguém maltratar deles” pondera Fernando.


“Eles só precisam de carinho. O Pompom certamente foi abandonado pois era muito revoltado, pode ter mordido alguém já. Mas ele era assim por que era maltratado. Aqui com a gente ele já é outro, muito mais carinhoso (...) O Dobby me parece ter sido abandonado pois era muito grande, muito travesso. As pessoas pegam filhotes achando que eles ficarão pequenos pra sempre até que crescem e não cabem em casa. Aqui ele também não cabe direito, mas nós fazemos de tudo para que se sintam bem” finaliza Fernando com os olhos marejados ao lembrar que em 2016, a Nana já não está mais entre eles. Porém como havia dito a veterinária, ela teve uma vida com os Nogueira que certamente foram os melhores anos da vida dela. Ele quer fazer o mesmo com os outros dois cãezinhos e parece estar no caminho certo para isso.

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