A
Avenida do Estado é uma das maiores vias do estado de São Paulo.
Seguindo o rio que a acompanha, corta quatro cidades, nascendo em São
Matheus, atravessando Santo André e São Caetano, até desaguar em
São Paulo. Na via que registra movimento de mais de 1 milhão de
carros por dia, mora Fernando Nogueira (48) sua esposa, Sandra
Sakihara (49) e suas duas filhas, Suellen (26) e Bianca (21). Ele é
frentista em um posto de gasolina à frente de sua casa, e está
acostumado com o barulho e o tráfego de carros dia após dia.
Ele
tem uma história incomum com a tal avenida. Não bastando apenas
morar e trabalhar nela, recebeu três ‘presentes’ da mesma. Foram
três vezes que sua indignação com a brutalidade do “bicho homem”
lhe trouxe três fontes de carinho. Foram três vezes que criaturas
sofridas, sem esperanças e fadadas a morrerem de fome perambulando
as ruas da cidade, viraram membros da família Nogueira.
Em
2009 numa noite de bastante chuva, Fernando trabalhava quando
percebeu um carro parado na avenida. As janelas se abriram e um saco
preto foi lançado em direção ao rio. Assim que o objeto atinge o
chão, o carro acelera e abandona o local. Fernando corre para
averiguar o que era. O saco se mexia e ao abri-lo, se deparou com uma
cachorrinha. Velhinha e muito debilitada, com sinais de maus tratos,
ele a tirou do chão e levou para casa.
“Minha
preocupação era de que ela estivesse muito machucada, como já era
tarde, tentei deixá-la confortável em casa para no dia seguinte
levá-la na veterinária aqui do bairro” conta Fernando. De manhã
conseguiu levar a cachorrinha, e após os exames, a médica disse que
ela ficaria bem. Ela tinha uma idade bem avançada e estava bem
debilitada. A veterinária disse que não poderia ficar com ela, e o
abrigo para cães do bairro também já estava lotado. Quando o
próprio não sabia se poderia fazer muito pela cachorrinha, ele
lembra exatamente das palavras da doutora “ela me disse que a
cachorrinha havia sofrido bastante, e que ela não ia ter muito tempo
de vida. Mas o pouco que tivesse com a gente, poderia valer mais do
que ela já tinha vivido até ali. Essas palavras mexeram comigo (…)
Eu não poderia abandonar a cachorrinha, então conversei com a minha
família, que prontamente aceitou ficar com ela” lembra Fernando.
Ele e sua família decidiram cuidar da cachorrinha, que agora se
chamaria Nana.
Como
um dejavu, o destino tratou de trabalhar mais duas vezes em
continuações da mesma história. Uma delas com requintes de
crueldade. Aconteceu no começo de 2012 mas dessa vez o carro estava
em alta velocidade e atirou um cachorro pra fora. Ao cair, o animal
levantou-se e correu atrás do carro dos donos. Fernando estava
prestes a sair do trabalho, e ao ver a cena, correu para pegar sua
bicicleta e seguir o animal, que quase havia sido atropelado pelos
outros carros da pista. Perdido e desnorteado ele se escondeu no
canteiro central. Assustado, foi difícil levá-lo para casa.
Levou
o cachorro para a mesma veterinária na manhã seguinte. Foi
constatado que uma das patas estava quebrada. Em casa o acordo com
sua mulher foi de ficar com o bichinho até que aparecesse alguém
que pudesse adotá-lo, já que era muito grande para ficar em casa.
Porém, mesmo grande, tratava-se apenas de um filhote. O nome do
cachorro seria Dobby, em referência ao personagem da série de
filmes ‘Harry Potter’, por conta de suas orelhas grandes. Quanto
mais tempo passava naquela casa, mais tempo Fernando ia se apegando
ao filhote. “a Nana era bem velhinha, quando levava ela para
passear na rua, tinha que ser tudo a passos lentos. Já o Dobby que é
filhote, era bem alegre, esperto e travesso. Gosta bastante de
correr. Ele fez muito bem para mim, para mudar um pouco o astral da
casa. Me lembra muito a história do filme ‘Marley e Eu’. O Dobby
é igualzinho o Marley, até luva já comeu” conta Fernando com
muito entusiasmo. Dobby foi ficando e se tornando membro da família.
O apego de Fernando ao cachorro foi tão grande que sua esposa,
Sandra, consentiu em deixar que o animal agora fosse mais um membro
da família.
E
não muito tempo depois, cerca de 4 meses após a chegada de Dobby,
outra vez a história se repetia. Impressiona por ter sido exatamente
como das vezes anteriores. Trabalhando, carro parado na avenida,
cãozinho atirado pela janela no canteiro próximo ao rio.
Fernando
se deparou com um cãozinho de pelos longos, irritado, bastante
raivoso e desconfiado. Pegar o animal foi
mais difícil dessa vez,
tanto que acabou com uma mordida no dedo quando tentou colocar-lhe
uma coleira. “Esse
cachorrinho era bem bravo. Quando o levei na veterinária, ela me
prescreveu uma vacina antirrábica na hora, como cautela pra qualquer
problema” recorda. O
cãozinho estava com uma pata machucada e com muita dor na região da
bexiga e barriga, supostamente por ter sido chutado muitas vezes.
Dessa
vez a família não poderia ficar com o cachorro. Nana e Dobby
ocupavam muito espaço e tempo na casa da família. Ainda mais um
cachorrinho que parecia tão nervoso e difícil de lidar. Mas como
ele estava doente e bem debilitado, o jeito foi ficar com o
animal até que aparecesse
alguém que quisesse levá-lo.
Nos primeiros dias chegou a ficar no pequeno quintal que a casa
dispõe, mas logo ficou em casa, assim como a Nana. Bianca, uma das
filhas, diz “Engraçado
que ele era bem desconfiado, nem podia levantar a mão perto dele que
ele já achava que iriamos bater. Deve ter apanhado muito. Mas com o
passar do tempo, parece que a própria Nana o ajudou a se adaptar”.
O
tempo passou e a família, principalmente as duas filhas, criaram um
laço maior com o pequeno cachorro, a quem havia colocado o nome de
Pompom. A desconfiança do animalzinho não
era mais uma coisa constante. Dessa vez seria muito difícil
permanecer com ele, ficando com três cachorros em casa. Mas a
família não encontrava ninguém que quisesse um cão que não fosse
filhote. Suellen lembra de
ter dito ao pai “Pai
o Dobby é o seu cachorro, a Nana é da mãe, o Pompom agora é
nosso”. “Pra mim
foi difícil dizer não a esses argumentos” brinca Fernando. Assim
como os outros dois cãezinhos, Pompom então
se tornou mais um membro da
família.
“Eu
acho que as pessoas são muito ruins com animais. Aqui na nossa
família, todos nós somos contra qualquer tipo de maus tratos com
qualquer bicho. E se você olhar para esses cachorros, não vai
conseguir entender os motivos que levam alguém maltratar
deles” pondera Fernando.
“Eles
só precisam de carinho. O Pompom certamente foi abandonado pois era
muito revoltado, pode ter mordido alguém já. Mas ele era assim por
que era maltratado. Aqui com a gente ele já é outro, muito mais
carinhoso (...)
O Dobby me parece ter sido abandonado pois era muito grande, muito
travesso. As pessoas
pegam filhotes achando que eles ficarão pequenos pra sempre até que
crescem e não cabem em casa. Aqui ele também não cabe direito, mas
nós fazemos de tudo para que se sintam bem” finaliza Fernando com
os olhos marejados ao lembrar que em 2016, a Nana já não está mais
entre eles. Porém
como havia dito a veterinária, ela teve uma vida com os Nogueira que
certamente foram os melhores anos da vida dela. Ele
quer fazer o mesmo com os outros dois cãezinhos e parece estar no
caminho certo para isso.
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