sexta-feira, 10 de junho de 2016

‘Sertanejando’ numa noite regrada a bebida, música ruim e dança patética

 Sexta-feira à noite, estou em casa sozinho, minha namorada está à 17km de distância e não existe a menor possibilidade de encontrá-la essa noite. A Netflix não conecta, pois, o último pagamento não foi debitado e não tiveram dó, cortaram mais rápido que o Giba na final Olímpica de Vôlei em 2004. As alternativas são o vídeo game e os filmes baixados no notebook. Mas já fiz isso o dia todo, que minha bunda já tomou o formato do sofá e não aguenta mais permanecer ali, até mesmo ficar em casa não é tão agradável quanto estou acostumado que seja. A morte lenta e dolorosa viria com alguns episódios de The Big Bang Theory, para dar uma risadinha e deixar o cérebro em ‘modo avião’ até que pegasse no sono.
Eis que uma mensagem no celular aparece, daquelas que promoters usam no WhatsApp, aparentemente sem pretensão, mas que mudaria o destino, e os padrões daquele dia.
VOCÊ É VIP HOJE, mande os nomes: Sertanejinho. Sucesso nas SEXTAS do Rancho Figueiras, a partir das 21h. Com a dupla Victor & Dodô. Envie sua LISTA VIP para Rafael Exaltados. ”
Algumas hashtags “enfeitavam” o convite, mas me recuso a compartilhar com o leitor tal fato. O que acabara de acontecer era que Rafael Cruz, amigo da época de escritório, me convidava para uma balada sertaneja. Sim o cara que tem asco só de pensar nos nomes combinando dessas duplas sertanejas, foi convidado para uma balada do gênero. “Hoje vamos na faixa, o Gordo (Rafael Máximo) arranjou os Vips já que ‘trampa’ lá, só precisamos chegar até 23h30 para entrar” falava na sua tentativa de me fazer aceitar o convite. “Vamos, ‘se pá’ ele arranja bebida também” insistia. E encurralado por mais mensagens com pedidos, não vejo outra alternativa que não seja aceitar após ele dizer “você não tinha que fazer matéria sobre algo que não curtia? Então não tem porque dizer não” insinuava, ironicamente. Obrigado Nádia.
Por volta das 23h saio de casa em direção à rua mais badalada de Santo André, a nossa Augusta do ABC. Tomada por barzinhos, baladas, botecos, carros com capô levantado e som no talo, homens e mulheres recém-saídos de academias exibem-se na rua mais movimentada da madrugada para uma noite de diversão regrada a bebidas e música ruim. Essa é a rua das Figueiras.
O Rancho das Figueiras é pequeno, não cabem mais que 500 pessoas sem que local não pareça a estação da Sé às 7h da manhã. O público é jovem, formado por sua maioria de homens. Por ter chegado cedo, aparentemente a sobriedade ainda tomava conta do local, o que fazia a pista de dança um cemitério de passos coreografados, onde nada acontecia. O palco ainda estava no processo de montagem dos instrumentos e nas TV’s que deveriam passar os clipes das músicas que tocavam, passava o Globo Repórter.
Como fui o primeiro a chegar fiquei encostado numa pilastra trocando mensagens no celular enquanto observava o comportamento daquele pessoal. Percebia que homens e mulheres ainda estavam distantes uns dos outros, já que ainda não havia álcool suficiente em seus corpos para que a ‘ousadia e alegria’ contaminassem suas ações. Parecia claro, entretanto, o que a maioria deles procuravam. Certamente pelos olhares lançados a cada mulher que passasse ao lado, era fácil identificar seus motivos de ali estar.
Meu amigo chegou, trazendo outros amigos seus, vindos da faculdade. “Esse são Renato, Daniele, Vitória e Rafaela. Vamos continuar a despedida do Renato, que vai para a Austrália” disse animado, possivelmente por causa de algumas doses que já havia bebido. E no mesmo momento surge o “anfitrião” de nossa festa, Rafael Máximo, que era promoter do lugar, arranjou nossas entradas, conseguiu uma mesa, com baldes de vodca, energético e cerveja a vontade. Não sou de beber, mas não existe nada mais irritante do que ficar sóbrio em um lugar onde todos ao seu redor estão bêbados. Então não tive muita escolha.
É interessante como já ouvi falar muito sobre como o gosto musical influencia no modo de vida. Ouvi uma vez a Luiza Possi (quem?!) dizer que “respeitava demais os roqueiros, pois não apenas gostam do rock, mas encontram na música um estilo de vida”. Concordo em partes, principalmente se lembrar que não são apenas roqueiros que levam um estilo de vida voltado ao que ouvem. Ou você olha para os vendedores de brincos e pulseiras artesanais nas ruas, com ‘dreads’ no cabelo, camisa da Jamaica e diz “esse aí ouve um Só Pra Contrariar”.
Coisa que não consigo identificar para quem ouve essas músicas populares e quem se diz “eclético” que escutam de Janis Joplin à Jorge & Matheus. “Não acho que é um estilo de vida baseado nos gostos musicais. O sertanejo já não é mais música de violão, chapéu e fivela. Hoje é algo mais pop. Hoje é música para curtir e dançar” disse Daniele sobre o assunto.
Renato lembrou “mas sair para dançar e curtir não é modo de vida também? Eu acho que é sim. Dá uma identidade diferente para quem gosta. Acho que é mais por quê quem ouve uma coisa só, fica caracterizado. Quem ouve mais coisa, parece mais ‘normal’, mas ainda assim, é um estilo”. É bem verdade. Não dá para descaracterizar. Dá para nivelar em escalas diferentes, talvez. Mas todos ainda são conduzidos pelas músicas.
A noite continuava a desenrolar mais histórias e mais risadas, mas agora com o show tendo início. Victor & Dodô são uma dupla cover, que cantam sucessos de outras duplas. O público se anima, a pista de dança toma forma, os pares vão se alterando entre uma melodia e outra. Minhas companhias estavam mais preocupadas em dançar, mas paravam para responder algumas perguntas que o “amigo chato do Rafael”, como certamente serei lembrado, fazia em horas inoportunas.
“Dançar, é tudo o que eu procuro hoje. O som é perfeito para isso. Não tenho nenhuma intenção de pegar ninguém, não hoje. Mas se aparecer também e for uma boa, por que não? ”, conta Vitória, já meio alterada. “Já me aconteceu de tudo em balada. Mas hoje eu trabalho em uma, primeiro por que estou solteiro, segundo por que tem balada todo final de semana e terceiro por que gente bonita e amigos para dançar, beber e comemorar, é a melhor coisa do mundo”, aponta Rafael Máximo, já trazendo a terceira garrafa de vodca para a mesa.

Tenho completa aversão à música sertaneja. Não consigo gostar das letras rasas, melodias pobres e “refrãos chiclete” monossilábicos. Mas ver aquele pessoal dançando, bebendo, se beijando, curtindo e se divertindo como se não houvesse problemas na vida, foi interessante ao menos para entender, sob suas perspectivas, como é a noite dentro de uma balada sertaneja. Não posso negar que ficar bêbado me ajudou muito a não ter ido embora na primeira meia hora. A noite foi divertida e Rafael, o Cruz, jura que puxei uma das meninas para dançar enquanto tocavam Falamansa. Eu nego enquanto estiver vivo, por mais que a cena tenha sido engraçada.

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